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Nativos, a Pintura como Rito: Mônica Ruggiero


Casulo_2024 - Óleo sobre tela  50x70 cm
Casulo_2024 - Óleo sobre tela 50x70 cm

Há artistas que pintam o visível, e há aqueles que se debruçam sobre o indizível, esse campo onde o tempo se curva, onde o gesto se ajoelha diante daquilo que não se apressa. A série Nativos, de Mônica Ruggiero, nasce desse segundo lugar. Não como tradução, mas como reverência. É pintura que se aproxima com o ouvido antes do pincel, que enxerga com memória antes de ver com os olhos.


Sua linguagem pictórica não se molda a tendências, nem a ruídos contemporâneos. Mônica trabalha com uma paleta que é quase orgânica, há o vermelho de barro fresco, o verde das matas que ainda se conservam fechadas, o negro denso das noites onde se guardam os rituais. O tom terroso e o uso da luz denunciam uma pintora que conhece o valor da sombra, que sabe que o que não se revela por inteiro muitas vezes é o que mais permanece.


Nas telas, figuras nativas se erguem como presenças. Não há folclore, não há exibição. Há uma dignidade que emana da postura, do ornamento, do silêncio. Os corpos são tratados com espessura, com contorno de verdade. E é nesse contorno que vemos o respeito da artista por uma história que não lhe pertence, mas que ela se dispõe a escutar. A escuta, aliás, é o verbo que melhor define essa série. Porque não há urgência em sua feitura, não há pressa no traço. Cada pincelada parece aguardar o momento certo de existir. E talvez seja isso que mais nos comova, perceber que a artista não se coloca acima da imagem, mas a seu serviço.


 Kalapalo_2025  - Silêncio sagrado/óleo sobre tela e giz pastel seco 70x70 cm
Kalapalo_2025 - Silêncio sagrado/óleo sobre tela e giz pastel seco 70x70 cm

A técnica, entre o óleo e a acrílica, por vezes incorporando materiais como o gesso, não busca uniformidade. Pelo contrário, cada superfície parece escolhida de acordo com a pulsação da imagem. Em algumas obras, a matéria se sobressai como terra rachada, noutras, tudo se dissolve em uma atmosfera líquida, como se o tempo ali fosse feito de bruma. Há espessuras, camadas, vestígios de uma mão que não quer apenas pintar, mas tocar algo. A matéria não é só suporte, mas presença. Há algo de território nessas telas, algo que se oferece como chão e como horizonte ao mesmo tempo.


A pintura de Mônica Ruggiero nesta série não está interessada em representar, mas em reconstituir atmosferas. E é isso que comove, a sensação de que cada quadro é, na verdade, um rito, algo que se realiza diante de nós, mas que vem de muito longe. Não se trata de retratar o outro, mas de entender que não há outro, apenas modos distintos de estar no mundo. E, nesse entendimento, ela se aproxima sem violar, ela observa sem devassar, ela propõe sem impor. O que vemos não é um retrato antropológico, mas uma saudação poética silenciosa àquilo que ainda pulsa fora dos centros, longe das vitrines.



Há também, em sua pintura, uma consistência velada, uma firmeza que nasce do saber acumulado. A formação em Arquitetura e Urbanismo, somada aos estudos em Artes Plásticas, traz para sua obra uma harmonia rara, um diálogo equilibrado entre forma e sensibilidade. É como se cada traço carregasse não apenas impulso, mas estrutura, como se houvesse um alicerce sustentando o gesto. Essa base técnica, ainda que não visível à primeira vista, sustenta a liberdade com que a artista transita entre materiais e composições. Há, em sua mão, o conhecimento do que organiza o espaço para que a emoção possa circular sem se perder.






É importante reconhecer que essa solidez vem de um olhar que já projetou volumes, que já pensou a luz em diálogo com o espaço, que já considerou o vazio como parte integrante da criação. Mônica traz para a pintura esse saber de arquitetar, não no sentido de construir limites, mas de saber onde repousar cada elemento, como distribuir pesos, como permitir que o silêncio também tenha lugar sobre a tela. Essa consciência confere à sua obra uma harmonia mas orgânica. Nada parece fora do lugar, ainda que tudo conserve certa liberdade bruta, como se tivesse acabado de emergir do chão.


As obras da série Nativos também carregam um tempo próprio, que escapa ao ritmo veloz das cidades e à ânsia por resultados. Há algo de ritual na maneira como as imagens se organizam, como se cada figura fosse invocada. E talvez seja isso que gere essa sensação de presença tão forte. Não estamos diante de imagens ilustrativas, mas de aparições. É como se os rostos, os corpos, os ornamentos tivessem sido colhidos do ar, da terra, da lembrança de um tempo em que tudo ainda estava por nomear.


Em tempos em que tanto se fala e tão pouco se escuta, essas obras nos ensinam a parar. A escutar com os olhos. A demorar o olhar sobre o que ainda pulsa fora dos discursos prontos, fora dos slogans que esvaziam. Nativos é um gesto de escuta pictórica. Um canto sem pressa. Um olhar que não busca explicar. E por isso mesmo, necessário.


Porque, no fim, é disso que se trata, de permitir que a arte recupere sua vocação primeira, a de fazer silêncio onde tudo grita, a de revelar sem desvelar, a de oferecer o invisível como forma legítima de existir.




Desolaçao - Acrílica sobre tela  e gesso 60x80 cm
Desolaçao - Acrílica sobre tela e gesso 60x80 cm

India e as Águas, Óleo sobre tela 50x70 cm 2024
India e as Águas, Óleo sobre tela 50x70 cm 2024


Para saber mais sobre Mônica Ruggiero:

Instagram @monicaruggiero_art


 
 

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