O Ipê", de Julia d’Paula — uma ascensão poética ao coração do Cerrado
- Marisa Melo
- 27 de set. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 9 de abr.

Há pinturas que nos convidam a contemplar, e há aquelas que nos fazem escutar. O Ipê, de Julia d’Paula, parece carregar ambas as forças, como se o tronco robusto e ascendente da árvore nos chamasse para dentro de suas raízes, e ao mesmo tempo, para cima, em direção à luz. A obra, executada em óleo sobre tela com generosas dimensões de 100 x 180 cm, é um gesto de reverência ao bioma do Cerrado, à terra vermelha de Tocantins, à memória que se agarra ao chão e floresce.
Nascida e criada em Palmas, cercada desde a infância por ipês, cajueiros e pequizeiros, Julia d'Paula pinta não apenas o que vê, mas aquilo que sente. Há uma intimidade na forma como o tronco do ipê se impõe, como se estivéssemos deitados à sua sombra, olhando para cima, acolhidos. A escolha do ponto de vista nos devolve à infância, àquela perspectiva de encantamento em que tudo parecia maior, mais intenso, mais vivo. E é justamente nesse olhar que reside a força da pintura.
A paleta é vibrante e terrosa, com amarelos intensos que pulsam como pequenos sóis entre as ramagens escuras. O céu, de um azul translúcido, aparece em brechas entre os galhos, como se respirasse junto com a árvore. A textura do tronco, espessa e ondulante, traz a materialidade do tempo, da casca que resiste, da árvore que permanece. O contraste entre os galhos retorcidos e as flores leves revela o movimento da vida, essa dança silenciosa entre resistência e beleza.
Julia d’Paula não pinta um ipê qualquer, ela pinta o Ipê, aquele que a viu crescer, que silenciou suas inquietações, que guardou suas primeiras descobertas. Há em sua obra uma escuta atenta à paisagem, como se cada pincelada fosse uma tentativa de eternizar aquilo que está sempre prestes a passar, como a breve floração de um ipê.
A pintura é, uma celebração, mas também uma lembrança. Uma lembrança daquilo que nos funda, das raízes que não se veem mas sustentam, das árvores que são guardiãs da nossa história. É arte como elo, como pertencimento, como saudade viva em forma de cor.